Abu Ghraib
A tortura de prisioneiros de guerra (e de outros que o não eram) no Iraque foi apresentada como «não americana» pelo Presidente Bush e, na Europa, como efeito directo da política de Bush. No primeiro caso, seria um incidente singular, atribuível à maldade do homem e a um erro de comando; e, no segundo, a consequência de uma prática geral, aprovada por um governo perverso. Tudo isto não passa evidentemente de uma conversa absurda. A América é uma sociedade violenta. Uma sociedade em que a violência está no dia-a-dia e se vive dia-a-dia, como não está e não se vive em Portugal, em França ou em Itália. Basta um passeio a sério (mesmo de automóvel) por Washington ou por Nova Iorque para perceber esta verdade básica. O culto da força (armada e física), que hoje identifica infalivelmente a América, não foi inventado pelo cinema. Nem a outra obsessão universal, a obsessão pelo sexo, foi inventada pela indústria de pornografia (a maior do mundo). A plebe democrática inventou livremente essa cultura, a sua cultura: a cultura do exército do Iraque. E ao que ela, tarde ou cedo, leva já se constatou nas prisões da América: tortura dos presos pelos presos, dos presos pelos guardas, dos guardas pelos presos, para não falar de assassinato, violação e chantagem. A barbárie da cadeia de Abu Ghraib só podia ser americana. Aquela típica mistura de sexo, de força e de violência; a pornografia tirada dos modelos vulgares do hard core; e o gosto de filmar e fotografar a coisa com requintes cénicos, para álbum de família - não enganam ninguém. Claro que o espírito militar impõe, ou devia impor, as suas próprias regras. Mas numa guerra em que os soldados fazem de polícias não há espírito militar que se aguente. Abu Ghraib é um sintoma; e um aviso. Não é uma surpresa.
Vasco Pulido Valente, D.N.15/5/04
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